I CONGRESSO INTERNACIONAL
IV SIMPÓSIO DE ENDODONTIA

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Desvendando a anatomia do assoalho da câmara pulpar

Fonte: New York: Elsevier / Journal of Endodontics: Krasner, P. & Rankow, H. J. Anatomy of the pulp-chamber floor. J. Endod., v. 30, n. 1, p. 5-16, 2004.

RESUMO

Paul Krasner (Fig. 1 – esquerda) e Henry J. Rankow, dois professores da Universidade “Temple”, na Filadélfia, Pensilvânia, EUA, propuseram, em 2004, diretrizes para a localização da câmara pulpar e da(s) embocadura(s) do(s) canal(is) radicular(es). Eles afirmaram que o uso dessas diretrizes poderia ajudar na determinação da posição da câmara pulpar e na localização exata das embocaduras dos canais radiculares em qualquer dente humano.

Com base nessa afirmação dos autores, analisamos o conteúdo do artigo publicado no “Journal of Endodontics” (Fig. 1 – direita) e decidimos transcrever essas diretrizes para você, nosso leitor. Uma ótima leitura!

Fig. 1. Esquerda: capa do artigo publicado, em 2004, no JOE; Direita: O Prof. Paul Krasner, primeiro autor do artigo, é professor da Universidade “Temple”, na Filadélfia, Pensilvânia, EUA.

INTRODUÇÃO

Durante o tratamento endodôntico, a realização da cirurgia de acesso à câmara pulpar pode exigir muito do operador. Isto é especialmente desafiador quando o dente que está sendo tratado apresenta restauração extensa, alteração em seu posicionamento na arcada ou calcificação.

Como a base fundamental de todos os procedimentos cirúrgicos está no profundo conhecimento da anatomia, qualquer tentativa de se realizar um tratamento endodôntico deve ser precedida de uma compreensão plena da anatomia da câmara pulpar e do sistema de canais radiculares.

OBJETIVOS DO ESTUDO

Após acessar um número considerável de dentes em suas atividades práticas do dia a dia, os autores perceberam que tanto a câmara pulpar quanto seu assoalho apresentavam configurações anatômicas específicas e possíveis de serem identificadas. Assim, o estudo foi conduzido para se determinar as características anatômicas da câmara pulpar, do assoalho da câmara pulpar e para verificar se pontos de referência ou configurações específicas e determinantes realmente existiam e se podiam ser quantificados.

Os autores raciocinaram que se esses pontos de referência realmente existirem, a tarefa de localizar a(s) embocadura(s) do(s) canal(is) radicular(es) poderia se tornar mais sistematizada e, portanto, mais precisa. Segundo eles, isso poderia ajudar a estabelecer novos protocolos de intervenção para a terapia endodôntica.

DELINEAMENTO EXPERIMENTAL

Foram analisadas 500 câmaras pulpares de dentes extraídos (igualmente distribuídos entre dentes anteriores, pré-molares e molares – superiores e inferiores). Para isso, dentes com coroas em condições mais variadas, como: coroas íntegras, com pequenas restaurações, com restaurações extensas, coroas metálicas, coroas cerâmicas e com presença de cárie, foram selecionados.

Um total de 400 dentes tiveram suas coroas seccionadas horizontalmente ao nível da junção amelocementária (JAC), de modo que o contorno da câmara pulpar pudesse ser observado em relação à superfície externa do dente. Cinqüenta dentes foram seccionados partindo da coroa para as raízes, no sentido vestíbulo-lingual. Outros 50 dentes foram seccionados da coroa para as raízes, no sentido mésio-distal.

Cada porção seccionada foi submetida à irrigação com água, secagem para, então, ser examinada. Dois observadores examinaram cada amostra de forma independente e registraram todos os parâmetros anatômicos observados. Esses parâmetros incluíram: localização, tamanho, cor, além do formato da embocadura do(s) canal(is) radicular(es). Essas observações foram então correlacionadas e todos os padrões determinantes listados. Linhas foram traçadas sobre secções horizontais para observar esses parâmetros mais facilmente.

RESULTADOS

Duas categorias de parâmetros anatômicos foram observadas: a) Relação da Câmara Pulpar com a Coroa Clínica; e, b) Localização das Embocaduras no Assoalho da Câmara Pulpar.

a) Relação da Câmara Pulpar com a Coroa Clínica

As seguintes observações foram anotadas:

  1. A câmara pulpar estava sempre no centro do dente, ao nível da junção amelocementária – JAC.
  2. As paredes da câmara pulpar estavam sempre concêntricas à superfície externa da coroa ao nível da JAC.
  3. A distância da superfície externa da coroa clínica até a parede da câmara pulpar era a mesma em toda a circunferência do dente ao nível da JAC.

Essas observações foram tão representativas que possibilitaram, portanto, que algumas “leis anatômicas” pudessem ser formuladas:

  • Lei da centralidade: o assoalho da câmara pulpar está sempre localizado no centro do dente ao nível da JAC.
  • Lei da concentricidade: as paredes da câmara pulpar estão sempre concêntricas à superfície externa do dente ao nível da JAC.
  • Lei da junção amelocementária (JAC): a JAC é a referência mais determinante e recorrente para se localizar a posição da câmara pulpar.

b) Localização das Embocaduras dos Canais no Assoalho da Câmara Pulpar

  1. O assoalho da câmara pulpar é sempre de uma cor mais escura que as paredes dentinárias circundantes.
  2. Essa diferença de coloração cria uma junção distinta na qual as paredes circundantes e o assoalho da câmara pulpar se encontram.
  3. As embocaduras dos canais radiculares estão sempre localizadas na junção das paredes circundantes com o assoalho.
  4. As embocaduras dos canais radiculares estão localizadas nos ângulos da junção parede-assoalho.
  5. As embocaduras estão no final das linhas de fusão do desenvolvimento radicular, quando presentes.
  6. As linhas de fusão do desenvolvimento radicular são mais escuras do que a coloração do assoalho.
  7. A dentina reparadora ou as calcificações são mais claras que o assoalho da câmara pulpar e freqüentemente opacificam tanto o assoalho quanto as embocaduras.

As seguintes observações foram anotadas em relação a todos os grupos dentários, exceto para os molares superiores:

  1. Se uma linha é traçada na direção mesio-distal passando pelo centro do assoalho da câmara pulpar, as embocaduras dos canais de ambos os lados da linha são equidistantes.
  2. Se uma linha é traçada na direção mesio-distal passando pelo centro do assoalho da câmara pulpar, as embocaduras dos canais de ambos os lados são perpendiculares a ela.

Essas observações foram tão determinantes que várias leis anatômicas, referentes ao assoalho da câmara pulpar, também puderam ser propostas:

  • Lei da simetria 1: exceto para os molares superiores, as embocaduras dos canais estão equidistantes a partir de uma linha traçada em direção mesio-distal, percorrendo toda extensão do assoalho da câmara pulpar.
  • Lei da simetria 2: exceto para os molares superiores, as embocaduras dos canais ficam em uma linha perpendicular a outra linha traçada na direção mesio-distal, passando pelo centro do assoalho da câmara pulpar.
  • Lei da mudança de coloração: a coloração do assoalho da câmara pulpar é sempre mais escura que as paredes circundantes.
  • Lei da localização da embocadura 1: as embocaduras dos canais radiculares estão sempre localizadas na junção das paredes com o assoalho.
  • Lei da localização da embocadura 2: as embocaduras dos canais radiculares estão localizadas nos ângulos da junção parede-assoalho .
  • Lei da localização da embocadura 3: as embocaduras dos canais radiculares estão localizadas no final das linhas de fusão do desenvolvimento radicular.

Um resumo de todas as leis e regras está apresentado nas Figuras 2 e 3 abaixo.

Fig. 2. A) Espécime cortado, mostrando as leis da simetria 1 e 2 e da localização da embocadura 1, 2 e 3; B) Esquema mostrando as leis da simetria 1 e 2 da localização da embocadura 1, 2 e 3
A) Vista do assoalho da câmara pulpar, onde observa-se que as embocaduras estão no final das linhas de fusão do desenvolvimento radicular, sendo estas mais escuras do que a coloração do restante do assoalho; B) As embocaduras dos canais radiculares estão sempre localizadas na junção das paredes com o assoalho, nos ângulos formados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo os autores, as variações e aplicações dessas leis e regras são amplas e diversas. Uma técnica específica foi desenvolvida usando essas diretrizes para identificar o número e a posição da(s) embocadura(s) do(s) canal(is) radicular(es) nos dentes e, especialmente, nas câmaras pulpares severamente calcificadas. Eles também afirmaram que a técnica em si seria discutida em um artigo subsequente (esse artigo foi publicado no site da Associação Americana de Endodontistas – AAE em 2010 e nós também vamos analisá-lo e transcrever a técnica para vocês, aqui, no Portal EndoBSB).

Ao final do artigo, os professores Krasner e Rankow aproveitaram para agradecer aos seus alunos de pós-graduação pelo interesse quanto ao estudo da anatomia dentária; e, agradeceram também ao Prof. Peter Friedman pela ajuda na edição do trabalho e à Mary Ferrell por inspirá-los a concluir o artigo.

Análise e transcrição por:

Profa. Marcela Batista Pereira de Carvalho

Profa. Marcela Batista Pereira de Carvalho

Graduada em Odontologia pela UNAERP
Especialista em Ortodontia e Endodontia, atuando também na área de Ortopedia Funcional dos Maxilares
Mestre em Ciências da Saúde, área de Saúde Bucal, pela UnB
Doutoranda em Odontologia pela UnB
Membro discente do Projeto de Extensão “Trauma Dental: Prevenção e Tratamento” do Departamento de Odontologia da Faculdade de Ciências das Saúde - FS/UnB
Exerce atividade em clínica privada nas áreas de Ortodontia, Ortopedia Funcional dos Maxilares e Endodontia

Prof. Dr. Jacy Ribeiro de Carvalho-Junior

Prof. Dr. Jacy Ribeiro de Carvalho-Junior

Graduado em Odontologia pela UNAERP
Especialista e Mestre em Endodontia pela UNAERP
Doutor em Materiais Dentários pela FOP/UNICAMP
Professor Adjunto do Departamento de Odontologia da Faculdade de Ciências das Saúde - FS/UnB
Coordenador do Estágio Supervisionado em Odontologia 2 do Departamento de Odontologia da FS/UnB
Membro docente do Projeto de Extensão “Trauma Dental: Prevenção e Tratamento” do Departamento de Odontologia da Faculdade de Ciências das Saúde - FS/UnB
Especialização em Implantodontia pela Faculdade de Odontologia da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas - FAOA - Araraquara - SP

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Prof. Manoel Machado

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  • Graduado em Odontologia pela Universidade São Francisco – Bragança Paulista – SP
  • Especialista em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Santo Amaro – OSEC
  • Mestre em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – FO-USP – São Paulo – SP
  • Doutor em Endodontia pela FO-USP – São Paulo – SP
  • Livre Docente pela FO-USP – São Paulo – SP
  • Pós-doutorado pela “University of Harvard School of Dental Medicine” – EUA
  • Professor Associado 2 da disciplina de Endodontia da FO-USP – São Paulo – SP
  • Fundador e Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Endodontia – SBENDO
  • Ex-Presidente da Sociedade de Endodontia Latino Americana – SELA
  • Idealizador do Projeto Amazonas / 32
  • Autor do livros “Endodontia da biologia à técnica” – traduzido para o espanhol e distribuído por toda América Latina e parte da Europa; “Urgências em Endodontia Bases biológicas clínicas e sistêmicas”; e, “Endodoncia – Ciência y Tecnología”
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Prof. Marcos Rios

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  • Graduado em Odontologia pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS – Feira de Santana – BA
  • Especialista em Endodontia pelo Centro Baiano de Estudos Odontológicos – CEBEO-BA – Salvador – BA
  • Mestre em Endodontia pela Faculdade São Leopoldo Mandic – Campinas – SP
  • Doutor em Clínicas Odontológicas pela Faculdade São Leopoldo Mandic – Campinas – SP
  • Professor Assistente de Clínica Integrada da UEFS – Feira de Santana – BA
  • Professor da disciplina de Endodontia da UniFtc – Salvador – BA e Uniruy – Salvador – BA
  • Professor dos Cursos de Atualização e Especialização em Endodontia – CEBEO-BA/CENO-BA/UNINGÁ-BA/SANTÉ-BA
  • Atuante em clínica privada, na cidade de Lauro de Freitas – BA, exclusivamente em Endodontia
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Profa. Taia Resende

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Graduada em Odontologia pela Faculdade de Odontologia do Planalto Central – FOPLAC – Brasília – DF

  • Especialista em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FOAr-UNESP – Araraquara – SP
  • Mestre em Odontologia, área de concentração: Endodontia, pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais – FO-UFMG – Belo Horizonte – MG
  • Doutora em Odontologia, área de concentração: Endodontia, pela FO-UFMG – Belo Horizonte – MG e período Sanduíche no “The Forsyth Institute” – Boston – EUA
  • Pós-Doutorado em Ciências Genômicas e Biotecnologia pela Universidade Católica de Brasília – UCB – Brasília – DF
  • Professora do Curso de Odontologia da UCB – Brasília – DF
  • Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da UCB – Brasília – DF
  • Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – UnB – Brasília